terça-feira, setembro 16, 2014

A Sabinada e o revolucionário “fanchono”


Igreja do Hospício de Nossa Senhora da Piedade da Bahia, litogravura de Johann Moritz Rugendas (1802-1858) que mostra parte do cenário da Sabinada.

Passada a empolgação resultante da proclamação da Independência, em 1822, as turbulências políticas tomaram conta do jovem Império. A década de 30 foi muito agitada e a Bahia foi palco de diversos movimentos importantes. Em 1835, por exemplo, houve a Revolta dos Malês que reuniu cerca de 1.000 escravos muçulmanos no Terreiro de Jesus. Discutia-se por toda a parte o regime republicano, o federalismo a descentralização do poder imperial como alternativa para os primeiros sinais de fraqueza da economia açucareira. Na Bahia circulavam, então, perto de 60 jornais. E seus assuntos? A frustração causada pelo 7 de setembro que não trouxe mudanças. A Independência do Brasil não aumentou o prestígio da província e acumulavam-se queixas que diziam respeito aos impostos, ao mau abastecimento, à fome ou aos baixos salários da milícia.

Entre 1837 e 1838, ocorreu o movimento que ficaria conhecido como Sabinada, que buscava maior autonomia política à província. O líder desta revolta chama a atenção: Francisco Sabino Vieira era mulato de olhos claros, bonito, eloquente, médico e jornalista. Possuía uma grande biblioteca e mania de “francesias”. Era culto e letrado. Mas também “servia-se de homem como se fora mulher” e foi acusado de matar a esposa. Com uma tal ficha, qual senhor de engenho gostaria de ser governado pelo fanchono (como eram chamados os homossexuais) do Doutor Sabino?

Nenhum, mas ele bem que tentou fundar uma República baianense. Em seu Novo Diário da Bahia, Sabino não cessava de repetir que “vão assim os negócios do Brasil em tão grande desmantelação pela falta de ingerência do povo nas coisas públicas”. Não queria mais sustentar a Corte, no Rio de Janeiro. A Bahia tinha que se desligar do governo central e organizar uma assembleia constituinte. O ponto de partida foi à revolta do corpo de artilharia lotado no Forte São Pedro. O pior é que as tropas do governo encarregadas de suprimir o levante aderiram ao mesmo, na Praça da Piedade. A Câmara Municipal foi invadida e ocupada por populares. As famílias tradicionais, os barões de cana, e até o chefe de polícia, fugiram da cidade.

O temor era de que ocorresse aqui, o que houve no Haiti: “Encontramos uma circular pedindo aos negros que se revoltem pela São Tomé. Os negros que copiaram não sei quantas vezes a carta de Abadamolu foram colocados na prisão”. Interrogatório de um negro e de negras de Abadamolu”- diziam os jornais. Mistério e medo cercavam o nome. Salvador se paralisara e tinha cerca de cinco mil pessoas envolvidas no movimento. Bandoleiros proclamavam, pelas ruas, as determinações da nova administração. E, durante os quatro meses subsequentes, a capital da província ficou desligada da sede do império. O belo Sabino sabia, contudo, que a reação legalista viria mais cedo ou mais tarde. E ele veio do mesmo lugar de sempre: o Recôncavo. De engenho em engenho, o chefe de polícia ia recolhendo adesões e apoio, armas e homens. Ainda em novembro, um barco de guerra começou a patrulhar a Baía de Todos os Santos, desviando de Salvador os gêneros de primeira necessidade. Os reforços do império, dinheiro, armas e soldados, seguiam direto para Cachoeira, próxima a Santo Amaro.

Com todo este movimento na cidade, o cotidiano dos engenhos não foi abalado. Os escravos mourejavam e junto com seus senhores festejaram o Natal e dançaram os pastorinhos na festa dos Reis Magos. Não faltaram alimentos e tudo correu normalmente até fins de fevereiro. Ouvia-se, então, falar em deserções em massa, enquanto dezenas de pessoas fugiam da capital. Em Pirajá, o exército legalista somava 4.000 homens, enquanto Sabino via da janela do palácio do governo, dezesseis navios cercando a capital. A batalha final não tardaria.

Durante dois dias, 13 e 14 de março, o exército legalista esmagou as posições rebeldes. O confronto, ficou se sabendo depois, foi cruel. Vencedores e vencidos ateavam fogo às casas. Para dentro delas, se lançavam os perdedores. Rebeldes foram caçados e fuzilados, mesmo tendo depositado as armas. No dia 15, o Forte São Pedro foi cercado. Às seis da tarde, a bandeira branca da rendição tremulava ao vento. A batalha terminava com 1.258 mortos, 160 casas queimadas e 2.298 presos políticos.

Sabino é condenado à morte, mas D. Pedro II sobe ao trono, recém coroado, anistiou os presos políticos, mandando-os para regiões distantes. Sabino Viera ficaria exilado em Cuiabá, tornando-se amigo do Coronel João Carlos Pereira Leite, seu protetor. Praticou a medicina até morrer em 1846.

Texto de Márcia Pinna Raspanti (baseado em “Barral – a Paixão do Imperador”, de Mary del Priore)

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego