Ao contrário dos
bondes, que penetraram em áreas que já vinham sendo urbanizadas ou
retalhados em chácaras desde a primeira metade do século, os trens
foram responsáveis pela rápida transformação de freguesias que,
ate então, se mantinham exclusivamente rurais. Em 1858 foi
inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II,
ligando a freguesia de Santana a Queimados (distrito do atual
município de Nova Iguaçu). Nesse mesmo ano foram inauguradas as
estações de Cascadura e Engenho Novo (no Rio de Janeiro) e de
Maxambomba (atual distrito sede de Nova Iguaçu). Em 1859, foram
inauguradas, por sua vez, as estações de São Cristóvão e
Sapopemba (atual Deodoro), enquanto a de São Francisco Xavier foi
aberta em 1861.
Sapobemba e
Maxambomba eram, nessa época, pequenos núcleos isolados que serviam
a uma população rural esparsa. Cascadura e Engenho Novo, por outro
lado, eram áreas rurais que já mantinham relações constantes com
as freguesias centrais, relações essas que foram bastante
incrementadas a partir de 1861, quando foi inaugurado o serviço
regular de trens até Cascadura. "Custando as
passagens de primeira classe 900 reis ate Engenho Novo e 1$500 ate
Cascadura. Havia passagens de
2a e 3a classes que custavam, respectivamente, 600 reis e 1$500, para
o Engenho Novo e Cascadura, nos carros de 28 classe, e 300 e 500
reis, nos de 39".
A existência de uma linha de subúrbios até
Cascadura incentivou, de imediato, a ocupação do espaço
intermediário entre esta estação e o centro. Antigas olarias,
curtumes, ou mesmo núcleos rurais, passaram então a se transformar
em pequenos vilarejos, e a atrair pessoas em busca de uma moradia
barata, resultando daí uma elevação considerável da demanda por
transporte e a conseguinte necessidade de aumentar o numero de
composições e de estações. Na década de 60 foram inauguradas
então as estações de Riachuelo e Todos os Santos. Em 1870, por sua
vez, a linha de Cascadura passou a ser servida por mais dois trens
diários, inaugurando-se de fato o sistema suburbano de transporte,
já que os horários dos trens passaram então a ser mais adequados
as horas de entrada e saída dos locais de emprego do centro da
cidade. Como conseqüência imediata, o processo de ocupação da
faixa suburbana ate Cascadura adquiriu impetuosidade ainda maior na
década seguinte, levando a inauguração das estações de Engenho
de Dentro, Piedade, Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier,
Mangueira e Encantado e, já em 1890, da estação de Madureira. O
processo de ocupação dos subúrbios tomou, a princípio, uma forma
tipicamente linear, localizando-se as casas ao longo da ferrovia e,
com maior concentração, no entorno das estações.
Aos poucos,
entretanto, ruas secundárias, perpendiculares a via férrea, foram
sendo abertas pelos proprietários de terras ou por pequenas
companhias loteadoras, dando inicio assim a um processo de
crescimento radial, que se intensificaria cada vez mais com o passar
dos anos. Falando sobre a freguesia de Inhaúma, assim se expressava
Noronha Santos na virada do século: “De 1889 para cá, Inhaúma
começou a progredir dia a dia, edificando-se em vários pontos da
vasta e populosa freguesia confortáveis prédios, que podem competir
com os melhores das freguesias urbanas. Foram retalhados os terrenos
das antigas fazendas que ainda existiam; bem poucos vestígios
ficaram daqueles tempos em que o braço escravo era o cooperador
valioso da fortuna pública e particular”.
De importância
fundamental para o crescimento dos subúrbios foi também a
inauguração, na década de 1880, de duas novas ferrovias. Em 1883
foi aberta ao tráfego, em caráter provisório, a Estrada de Ferro
Rio D'Ouro, ligando a Quinta Imperial do Caju a represa do Rio
D'Ouro, na Baixada Fluminense. Atravessando as freguesias de São
Cristóvão, Engenho Novo, Inhaúma e Irajá. Essa ferrovia foi
construída com a finalidade de transportar material para as obras de
construção da nova rede de abastecimento de água da cidade do Rio
de Janeiro captada nos mananciais da Serra do Mar, em Tinguá e
Xerém. Por acompanhar os encanamentos que traziam a água do Rio
D'Ouro até São Cristóvão, a ferrovia foi, inicialmente, utilizada
apenas para os trabalhos de conservação do sistema (adutor e
distribuidor). Posteriormente, passou a ter um serviço regular de
passageiros, embora jamais tenha tido o mesmo papel indutor da D.
Pedro II, já que seu ponto terminal era distante do centro, na Ponta
do Caju.
Isto não impediu,
entretanto, que pequenos núcleos se desenvolvessem ao longo de suas
linhas (dentre os quais se destacam Inhaúma, Vicente de Carvalho,
Irajá, Colégio, Areal (atual Coelho Neto) e Pavuna), já que se
podia alcançar o centro da cidade através de baldeação para os
trens da Dom Pedro II na altura de São Francisco Xavier. Embora
atravessando terras mais baixas, sujeitas a inundações periódicas,
próximas que estavam da orla da baia de Guanabara, a Rio de Janeiro
Northern Railway Company, também chamada Estrada do Norte (futura
Leopoldina Railway), teve papel muito mais importante que a
Rio D'Ouro. Sua primeira linha, inaugurada em 23/04/1886, entre São
Francisco Xavier e Mirity (atual Duque de Caxias), interligou uma
série de núcleos semi-urbanos preexistentes, (como Bonsucesso,
Ramos, Olaria, Penha, Brás de Pina, Cordovil, Lucas e Vigário
Geral) que, devido a grande acessibilidade ao centro proporcionada
agora pela ferrovia, passaram então a se desenvolver em ritmo
bastante acelerado. A esse respeito, dizia Noronha Santos: "Quatro
trens de subúrbios trafegavam diariamente, antes de 1897, na única
linha que existia até Mirity, com desvios em Bonsucesso, Penha e na
Parada de Lucas.
O primeiro núcleo
de habitantes dessa zona que mais acentuadamente prosperou foi
Bonsucesso. Esta localidade e as de Ramos, Olaria e Penha, em pouco
tempo (entre os anos de 1898 e 1902) tiveram os seus terrenos
divididos em lotes, organizando-se simultaneamente empresas para
construção de prédios. Ramos transformou-se em empório comercial
e num dos centros de maior atividade na zona da Leopoldina Railway ".
Finalmente, em
01/11/1893, foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro
Melhoramentos do Brasil, construída pela Companhia do mesmo nome e
presidida por André Gustavo Paulo de Frontin, e que, em 1903, seria
incorporada a Central do Brasil, com o nome de Linha Auxiliar. Esse
trecho ligava Mangueira a Sapopemba (atual Deodoro), que já
integrava a rede da Central. Em 1898 foram inauguradas, por sua vez,
as estações de Vieira Fazenda, Del Castilho, Magno e Barros Filho.
Já na última
década do século passado estavam pois, em pleno crescimento, os
principais subúrbios do Rio de Janeiro atual. Naquela época,
entretanto, eles não passavam de simples núcleos dormitórios,
conforme descrevia Aureliano Portugal no inicio do século XX: "A
continuidade da cidade propriamente dita e tal que, em grande parte,
se torna impossível estabelecer limites entre as paróquias urbanas
e as chamadas suburbanas. Todo o percurso da Estrada de Ferro Central
do Brasil, até além da Estação de Cascadura, é marginado de
habitações, formando, sem quebra de continuidade, inúmeras ruas,
que a freqüência e a rapidez de transporte incorporam naturalmente
à cidade. O mesmo se dá com relação à vasta planície servida
pelas linhas suburbanas do Norte, da Melhoramentos do Brasil e da Rio
D’Ouro. Esses subúrbios não têm existência própria,
independente do Centro da cidade; pelo contrario, a sua vida e comum
e as relações íntimas e freqüentes; e a mesma população que
moureja, no centro comercial da cidade, com a que reside neste, sendo
naturalmente impossível separá-las".
A ocupação dos
subúrbios é exemplificada, ainda, pela movimentação de
passageiros nas estações da Central do Brasil, que atingiu, no
período 1886-1896 um total de quase 30 milhões de pessoas (Tabela
3.3). Este número, se é insignificante quando comparado ao total de
passageiros transportados pelos bondes (estes transportaram, em um
único ano - 1896 - quase 73.000.000 pessoas), já representava,
entretanto, uma demanda acima da capacidade de oferta, como
exemplifica Noronha Santos ao falar da crise de transportes da década
de 1890.
“A crise de
transporte não ficou circunscrita ao bonde. Nos trens de subúrbios
constituía, já naquela época, verdadeiro martírio, viajar pela
manhã ou à tarde. O povo acotovelava-se nas estações principais,
debatendo-se em horas de maior afluência de passageiros, como se
fosse um bando de lutadores ofegantes, para alcançar um lugar no
trem, onde se apinhava gente de toda castas”.
Ao analisar o
crescimento dos subúrbios nessa época, é preciso, pois,
relativizá-lo frente ao que estava ocorrendo nas áreas servidas
pelos bondes. Com efeito, apesar das freguesias de Engenho Novo,
Inhaúma e Irajá terem apresentado um aumento demográfico
considerável no período 1872-1890, já comentada, as freguesias
centrais e aquelas periféricas ao centro (onde se concentrava a
população mais pobre da cidade) também apresentaram incrementos
demográficos importantes. E o mesmo aconteceu com as demais
freguesias urbanas, que estavam em franco processo de ocupação.
Note-se, ademais, que toda a cidade começava, nessa época, a sofrer
o impacto de uma industrialização incipiente, que a princípio
procurou localizações próximas ao centro urbano, só se
transferindo para os subúrbios no século atual.
Fonte de consulta:
ABREU, Maurício de
A.. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar,1988.